quarta-feira, 2 de julho de 2008

Uma aventura em Las Piedras

Com uma pasta recheada de dólares, eu e três amigos, lá pelo fim do século passado, decidimos dar uma esticada ao Uruguai, com um duplo objetivo: comprar um bom cavalo para correr os clássicos de Porto Alegre e “sentir” o interesse dos uruguaios por animais brasileiros. O Mercosul ainda engatinhava, mas já existiam normas facilitando a entrada e saída de mercadorias pela fronteira.

Um treinador de lá, que já andara pelo Cristal cuidando dos animais do Haras Ferradura, era o nosso contato. Nas muitas conversas com ele e um filho, conhecido por Loquijo, fomos alertados para uma possibilidade de lucro fácil: já que tínhamos muitos dólares, por que não bancar as corridas de sextas e sábados na vizinha Las Piedras? A vantagem era toda da banca, amparada por um rateio fixo de 3 por 1, diziam pai e filho.

A ambição acabou falando mais alto e lá fomos nós para Las Piedras, a um tiro de canhão de Maroñas. Na sexta, entre mortos e feridos, saímos com um lucro razoável de 1.500 dólares, quantia suficiente para reforçar a impressão de que tínhamos descoberto uma mina de verdinhas. No domingo, uma outra história seria escrita, porém: venceram todos os cavalos muito apostados nas bancas, à exceção de um. Como não tínhamos a vantagem de poder descarregar parte das apostas em outros banqueiros pelo fato de sermos gringos e desconhecidos, ficou claro que a mina vertia água e que os riscos eram bem maiores que os previstos. Feito o balanço final, no entanto, estávamos todos apenas um pouco mais pobres, graças ao único favorito que fracassara.

Aliviados, amanhecemos no domingo já com a idéia fixa de desistir da aventura. Aliviados em termos, porque nem bem o dia raiara e já estávamos às voltas com o proprietário do cavalo que não vencera, exigindo o seu dinheiro de volta. Dizia, indignado, que Loquijo induzira um dos seus cavalariços a dopar negativamente o animal. “Le aplicaron una dormidera a mi caballo”, não cansava de repetir. Foram muitas as ameaças de parte a parte, até que um dos nossos proferiu uma, definitiva, que espantou o uruguaio: iríamos dar queixa dele na polícia por ameaça de morte.

Resumo da ópera: passamos a tarde inteira de domingo em uma quase deserta delegacia, tentando convencer o plantonista de que éramos vítimas de uma armação. Por sorte, queixas semelhantes já haviam sido feitas contra o mesmo cidadão e fomos finalmente dispensados. Fosse o policial um pouco mais atento, entretanto, e teríamos sido todos trancafiados. Lá, como aqui, bancar corridas é ilícito penal. Pelo que soube depois, Loquijo passou pelo menos um mês sem sair de casa, esperando a poeira baixar.

Ainda cabreiros com as ameaças, deixamos Montevidéu em direção a Punta Del Leste e Chuí, sempre olhando para trás e para os lados, temendo uma emboscada. Alívio mesmo só quando cruzamos a fronteira e pegamos a estrada para Porto Alegre.

A idéia de importar e exportar cavalos acabou por se perder nas idas e vindas da vida. Uma pena, porque poderíamos estar ainda ganhando dinheiro com um mercado de mão dupla hoje em franca expansão. Las Piedras? Bem, nunca mais estive lá. Pelo que me consta, voltou a ser apenas um apêndice de Maronãs. Os banqueiros a 3 por 1 certamente se mudaram todos para o prado da capital.

*Por razões óbvias, omiti a identidade dos personagens desta história.

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