domingo, 20 de janeiro de 2008

Com os burros n’água

Uma das coisas que mais lamento em minha jornada de escrevinhador foi não ter gravado horas de conversa com Guaraná Santanna, seguramente o mais folclórico dos nossos treinadores, morto em meados dos anos 90. Se eu não tivesse sido tão preguiçoso, talvez pudesse estar colhendo hoje os frutos de um livro de lindas e pitorescas histórias, vividas por ele nos limites de inumeráveis vilas hípicas deste país.

Algumas, felizmente, retive na memória, como esta: início da década de trinta do século passado, as coisas estão difíceis para Guaraná, então iniciando-se como treinador em um já desaparecido prado de Petrópolis. Naquele domingo, precisava ganhar uma corrida a qualquer custo para convencer um proprietário a manter seus cavalos na cocheira. Mas, sua única inscrição, um consumado matungo, provavelmente seria dos últimos. O que fazer? A única opção que lhe ocorreu seria substituir o pangaré por um bom ganhador, semelhantes em pelagem e sinais. Só havia nas cocheiras um espécime nessas condições, mesmo assim manchado de branco na testa e em duas patas. No desespero, Guaraná não teve dúvida: muniu-se de um pincel e tinta preta para sapatos e “eliminou” as manchas do substituto.

Como previsto, o cavalo pintado cruzou o disco em primeiro, com vários corpos à frente do segundo colocado. Mas, o castigo sempre vem a cavalo. Quando o vencedor retornava ao padoque, desabou um temporal e a pelagem original reapareceu.

O próprio treinador me contou que nunca soube o que se passou na seqüência. Antevendo o desfecho de seu “crime”, embarafustou por um bambual que servia de cerca viva da raia e nunca mais botou os pés em Petrópolis. Rindo muito, Guaraná arrematava a história, com um jogo de palavras: “Quis ser muito esperto e acabei dando com os burros n’água”.

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