terça-feira, 4 de março de 2008

Patranhas do João

João de Castro Godoy gostava especialmente de duas coisas: acentuar no vestir a sua semelhança com o ator Clark Gable e maquiar certas situações de corrida de modo a que cronistas de turfe desavisados as entendessem de maneira errada.

Naquela manhã, ele estava concentrado em “esconder” o verdadeiro potencial de um potro, anotado para estrear alguns dias depois. Convocou Nélio Carrara, então um jóquei modesto que trabalhava animais para suas cocheiras, deu-lhe instruções e foi se sentar na última fileira dos bancos do padoque, como fazia habitualmente há anos.

O potro largou da seta dos 1.400 metros e cobriu o percurso em pouco mais de 89”, com final de menos de 13” para os 200 metros finais. Uma marca assombrosa para a antiga raia de areia de Cidade Jardim. A título de comparação: o normal era os potros perdedores não baixarem de 90”, em corrida.

Tão logo desmontou, Nélio se dirigiu às pressas para o “patrão”, apontando para o Minerva de duas agulhas que tinha nas mãos. “Devo ter marcado errado, seo João, não é possível que um potro que nunca correu faça um tempo desses!”. Foi o bastante para que Godoy praticamente arrancasse o relógio de suas mãos e o atirasse padoque abaixo. “Desaprendeu, Nélio? Claro que nem chegou perto disso”. Desconsolado, o jóquei desceu as escadas e foi ver se ainda restava alguma coisa do seu cronômetro. De longe, alguns cronistas observavam a cena, com a certeza de que seo João estava aprontando alguma, mas sem saber exatamente o quê.

O tempo passou rápido e o potro, Zaluar, de criação do Haras Bela Esperança e de propriedade de Theotônio Piza de Lara, entrou na raia para a sua primeira corrida, montado por João Manoel Amorim. Na pedra, um rateio para além das expectativas de seu treinador. Claro que o filho do inglês Eboo deu um galope de saúde, cravando 88” para a distância.

Na segunda-feira, quando Carrara chegou para a rotina de todas as manhãs, um envelope lhe foi entregue pelo porteiro do vestiário. Dentro, um Minerva novinho em folha, dinheiro equivalente a três meses de salário e um bilhete: ‘Vê se aprende a marcar melhor com este relógio”. Nélio ficou muito satisfeito, claro, mas jamais esqueceu a humilhação por que passara pelas mãos do Clark Gable caboclo. E os cronistas, finalmente, compreenderam o significado da cena do relógio atirado ao chão.

Um comentário:

Anônimo disse...

Essa história eu não conhecia.Meu pai faleceu precocemente e, infelizmente, não teve tempo de contá-la para mim.
O curioso disso é que a paixão pelos cavalos ele conseguiu me transmitir, talvez pelo sangue até(atualmente pratico hipismo), e o que é melhor: esse Minerva eu guardo com carinho até hoje!!! E sem conhecer a sua história.

Nélio Carrara Filho