terça-feira, 4 de março de 2008

A pão e água

Durante muitos anos, George Dallas, russo de origem e brasileiro por opção, enriqueceu a galeria de treinadores folclóricos de São Vicente. Seu sotaque carregado e seus métodos pouco convencionais de treinamento faziam dele uma figura única. E foi com ele que aprendi algumas lições, esta, por exemplo: são insondáveis os mistérios que cercam um puro-sangue de corridas.

No comecinho dos anos 80, Dallas recebera convite para treinar alguns animais arrendados por Helcio Meca ao Haras Coqueiro Verde. Um deles era Mau-Mau, cria do Haras Guaiuvira, genioso como o pai Georges Raft, e danado de corredor. Dallas inscreveu-o em um clássico em São Vicente, mas não contava com um imprevisto: a ração encomendada, por algum motivo, não chegara de São Paulo. Acostumado a improvisar, o russo não teve dúvidas: foi ao peão do prado, cortou sacos e sacos de capim, e depois à padaria do Abel, para comprar uma grande quantidade de pão amanhecido. Nos cinco dias anteriores à corrida, Mau Mau e seus companheiros de cocheira se submeteram à uma dura dieta de pão, capim e água.

Eu, que acompanhara todas as idas e vindas do russo, fiquei muito animado com a possibilidade de arrumar uma boa grana. Mau-Mau seria grande favorito e, fatalmente, fracassaria. Ledo engano! Dada a largada, o tordilhão tomou a ponta e foi colocando expressiva vantagem sobre os demais, até cruzar o disco com uns 12 corpos à frente do segundo colocado, como se estivesse possuído por uma força sobrenatural. Pouco depois, os alto faltantes anunciavam: “Mau-Mau acaba de bater o recorde dos 1.100 metros”.

Com cara de tacho, tirei do bolso um maço de pules e atirei-as ao vento. Ainda hoje, desconfio que Mau Mau, às escondidas do velho Dallas, fizera um pacto de sangue com os ton-tons macutes do Haiti. Bater recorde a pão e água? Só mesmo com a ajuda de um vodoo.

Um comentário:

Anônimo disse...

George dallas,simplismente meu avô,pai de paulo dallas podkoritov meu pai =)